Em meados da década de 1860, o Dr. Jigoro Kano, professor universitário japonês (posteriormente membro da Casa dos Pares e presidente universitário), começou um estudo sistemático das muitas formas de jitsu então praticadas no Japão. Embora tais práticas já não fossem ilegais, permaneceu entre os estudantes da arte, certo culto e atividade fanática remanescente dos hábitos feudais. O Dr. Kano descobriu que grupos de praticantes só conheciam e apreciavam uma forma de luta desarmada, não tendo conhecimento de outros sistemas de luta e nem ao menos os apreciando. Esses grupos defendiam seu estilo próprio de luta, mais por ignorar outras técnicas, do que pela convicção da eficácia de seu sistema. Não lhes ocorria eliminar as técnicas ultrapassadas e nenhum interesse tinham em aperfeiçoar seus métodos de ensino. Longe de procurar tornar popular o estudo de lutas, os professores consideravam-se um grupo de elite, cultuando a luta como algo misterioso e tornando o aprendizado difícil. O Dr, Kano descobriu também que entre estes grupos cultistas do mistério, não havia teoria ou mesmo compreensão do trabalho. Tudo era uma questão de "manha ou segredo" que passava de professor para aluno. O Dr. Kano levou muitos anos estudando, avaliando, comparando e praticando as antigas artes de luta. Jigoro kano se interessou em particular pelo estudo dos aspectos menos agressivos do jiu-jitsu, cuja finalidade era formar guerreiros. Eliminou os golpes mais violentos e, em 1882, sintetizou tudo que havia aprendido, criando uma nova arte, conhecida como judô, fundando o Instituto Kodokan, escola que se transformou em templo da nova luta. A filosofia era oposta à do jiu-jitsu, em vez de guerreiros, Dr. Kano queria formar cidadãos pacíficos.
Formando seus nove primeiros discípulos, ele começou a analisar os golpes do jiu-jitsu, transformando e adaptando, pesquisando até obter um sistema que aperfeiçoava o espírito e o corpo através do exercício físico e da competição.
Judô - Caminho para vida?
Literalmente, judô significa "modo suave" ou "caminho da suavidade". Talvez se tornasse de mais fácil compreensão interpretá-lo como "o meio mais fácil", baseado na definição do próprio Kano, de que o meio mais eficiente de se "fazer qualquer coisa" é o modo suave. Com isso, sugeria que o uso do intelecto, e não meramente o uso dos músculos, seria uma "suavização" da maneira de enfrentar o mundo e seus problemas práticos. Para o Dr. Kano, esta era a idéia básica do "Caminho da Vida".
Segundo as próprias palavras do Dr. Kano, "deveria haver um principio em particular, prevalecendo sobre todos os demais, que governaria todas as atividades do homem. Esse princípio seria o maior e mais eficiente uso do intelecto, afiado à energia física, visando ã realização de um propósito ou meta definida. Uma vez que se compreenda o verdadeiro significado deste principio, pode-se apllcá4o em todas as fases e atividades da vida, contribuindo assim para uma vida elevada e racional".
Portanto, longe de ser um meio místico de alcançar a Suprema Verdade, para o Dr. Kano "o modo" era um guia para uma conduta racional e razoável em todas as fases da vida. O Dr. Kano acreditava que o treino desenvolvido para enfrentar um adversário em judô, de "modo suave" e que resultasse eficiente, por extensão também treinaria o praticante para enfrentar a vida real, "da maneira mais suave", sem uso da força bruta.
A única extravagância no conceito do Dr. Kano é acreditar que tal lição poderia ser aprendida automaticamente. Ele não percebeu que poderia haver a possibilidade de o estudante vir a aprender a lição como ele previa bem como a possibilidade de que viesse a aprender judô muito bem, sem ter aprendido a lição. La Rochefoucauld disse: "... não há experiência, por mais desastrosa que sela, da qual uma pessoa com pensamentos positivos não possa tirar algum proveito, assim como não há experiência por mais feliz, que não possa ser usada para o mal por homens de poucas ou mal conduzidas idéias". Para que alguém possa aprender e aplicar na conduta de sua vida as lições úteis do judô, é necessário querer entendê-las e aplicá-las. O Dr. Kano julgava que a prática formal dos movimentos do judô - "uma combinação de movimentos dos membros, pescoço e corpo, realizada de maneira tal que possa resultar num desenvolvimento harmonioso do corpo, assim como inculcar um ideal moral elevado"- conduzia a uma conseqüente elevação moral. Ele teria de ter revisto sua noção de valores espirituais automaticamente resultantes da ginástica, se tivesse tido oportunidade de ver a juventude alemã e japonesa engajada em seus exercícios, pouco antes e durante a Segunda Guerra Mundial.
Os atuais defensores do judô como "Caminho da Vida" cometem um erro ao afirmarem que a "devoção à arte", para usar sua própria expressão, é o único caminho para se alcançar uma harmonia física e mental, a qual conduziria a uma vida melhor, mais útil, razoável e agradável. O conceito do Dr. Kano, do uso mais eficiente da energia física e mental para se alcançar um propósito definido, não é propriedade exclusiva do judô ou dos judoístas. Fazer tal assertiva não interessa para a promoção do judô - os tenistas o usam, os nadadores o conhecem, os esgrimistas o aprendem, e assim por diante. O judô é extraordinário, mas não é O Único Caminho. Se assim fosse, todos os judoístas no dizer do Dr. Kano seriam "honestos, sinceros, cheios de pensamentos positivos, cautelosos e decididos em todas as situações, [teriam] um alto grau de compostura mental [e teriam desenvolvido] em alto grau o exercício do poder da imaginação, do raciocínio e julgamento aplicados em todas as horas nas atividades da vida diária".Como tal não acontece, permitimo-nos duvidar dos benefícios do "Caminho da Vida" ocasionados pela prática do judô.
E o que dizer da tese de que o judô para ser estudado seriamente deve ser a atividade central da vida? Isto é pura tolice. Se fosse permitido somente às pessoas com tempo e inclinação suficientes para tanto, praticar o judô, fazendo dele a atividade central de sua vida teríamos somente um punhado de judoístas no mundo todo. Tudo na apresentação do Dr. Jigoro Kano nos leva a pensar assim.
O judô não precisa ser encarado como um "Caminho para Vida", mas pode ser um modo maravilhoso de enriquecimento da vida.
Mas o judô também não pode ser considerado apenas como uma luta corporal em que o objetivo é dobrar o adversário e forçá-lo a beijar o chão do tatami Do início ao fim dos treinos, o praticante é envolvido na riqueza de uma filosofia oriental que transforma a disciplina em equilíbrio mental e, formas de viver e encarar o semelhante. O judoca não deve encarar o esporte como uma válvula de escape às tensões habituais. No momento em que sair da sala de lutas deve levar consigo o respeito, a perseverança e a humildade que mostra em cima do tatami. Os grandes mestres chegam a comparar cada ato praticado durante os treinos como um procedimento do dia-a-dia.
Disciplina, respeito, educação, desenvolvimento da força física e técnica. As cinco regras básicas que o judoca deve seguir eram as mesmas perseguidas pelos samurais que abandonavam aos poucos o aspecto guerreiro das artes marciais e se dedicavam a aprimoramento cultural.

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